quarta-feira, abril 26, 2006

Rollerblades e fracturas sociais

Bem, não era exactamente o propósito deste blog ser uma espécie de sítio de queixume, mas acho que também não corro esse risco.
Ontem foi o 25 de Abril, uma data cara para alguns portugueses (a maioria, espero), e como diz a minha amiga arquitecta Mariana, que seja para "sempre"! E por falar em arquitectos, foi exactamente ontem inaugurado no Porto o bairro projectado por Siza Vieira, com as primeiras ideias apontadas antes de Abril de 1974 e cuja arquitectura urbana e habitacional foi, depois do 25 de Abril de 74, desenvolvida no âmbito do plano de habitação de emergência SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local).
Mas que tem isto a ver com rollerblades e fracturas sociais? Acho que tudo, e o post poderia até ser escrito fazendo referência ao dia de Páscoa, ou melhor, ao dia de desacralização da Páscoa. E porquê? Porque o que se passa hoje é que o feriado perde (ou tende a perder) o significado original. Por exemplo nos feriados que acontecem durante o ano (pelo menos falo de Aveiro), quase não se faz notar alguma atmosfera do acontecimento que lhes deu origem - é como que se esvaziassem únicamente num dia de férias.
E foi isso que aconteceu ontem, Aveiro era uma cidade de férias. Quem viesse "de fora" (fora de Portugal, está claro) poderia interrogar-se porque é que o comércio estava fechado e as praias e parques cheios de pessoas - qual simbologia, qual comemoração. Quem contará a história do fim de uma ditadura aqui, em Portugal? Mas não pretendo alongar-me muito acerca do tema. E assim foi, depois de uma corrida na praia, fui andar de patins em linha à noite para perto do centro de congressos, um sítio bastante agradável. E foi mesmo um acontecimento social (não de grande dimensão, mas muito agradável) - eu, o Fonseca e o Maia patinavamos pela fresca Aveirense, eu e o Fonseca como caloiros e o Maia como "o mestre". Bem, mas quando o discípulo quer fugir à lição às vezes perde alguns ensinamentos. Et voilá! Eis que tento dar um salto e correu mal, caí com o corpo em cima da minha perna esquerda - azar dos azares (e até ouvi!) o meu perónio fracturou ali mesmo... Fim de noite! Agora tenho uma perna engessada e sinto-me um "Português NEM TANTO à Solta". Mas podia ter sido pior, o que incomoda é que vão ser semanas com um apêndice de gesso que não é meu...
Há contudo nisto algo que pode ter a ver com este blog - a questão das viagens. Como vou ficar quietinho, penso que vai dar para viajar muito, bem ao jeito do Almeida Garrett, que em "Viagens na minha terra" consegue grandes passeios sem sair do seu quarto. Bem, espero que ao menos isso, que não nos falte a cabeça, e a todos nós, pois na actualidade a diferença está é mesmo no pensamento...
E fico por aqui, pois ainda não sei como será andar de canadianas e preciso de me habituar, mas nestes dias foi o que aconteceu, falou-se de liberdade (da falta dela), de rupturas, mudanças e esperemos que as fracturas não sejam graves.

terça-feira, abril 04, 2006

BBC - Beautiful British Columbia, é assim que lhe chamam...

Saí de Lisboa, dia 1 de Abril de manhã; tinha passado a noite a "fazer tempo" pelas docas; na realidade um sítio pouco interessante, mas era mesmo isso, estava só para fazer a vontade aos ponteiros do relógio, caso contrário, preferiria perder-me noutros lugares.

A saída foi às 7h00 e tive de apanhar outro avião para o Canadá no aeroporto de Schiphol, Amsterdão. A viagem terá durado perto de dez horas; curiosamente saímos às 15h30 de Sábado e chegámos às 15h00 também de Sábado - os fusos horários têm destas coisas.

Aproveito para escrever agora já em Vancouver, Domingo 2 de Abril. Aqui são menos oito horas que em Portugal.

Na semana passada comprei um livro de George Steiner, "A ideia de Europa", edição portuguesa com prefácio de Durão Barrosso. Do prefácio não me apetece falar, mas foi com entusiasmo que li o livro todo durante a viagem (é certo que o livro não é muito grande e nem a viagem dura pouco tempo). E porque falo eu deste livro, estaremos nós a interrogar-nos. É simples, ontem e hoje vagueei um pouco pela cidade e tive um pouco da mesma sensação de quando tinha estado em Sydney - aqui temos uma cidade que deverá ter tido (e deve ter) algum sucesso económico mas ao andarmos pelas ruas durante uns minutos sentimos que para além do zum zum do dia-a-dia não paira no ar um clima mais quente, de proximidade, de contacto com o outro.

Ao que parece a properidade desta cidade advém do negócio da madeira começado pelos ingleses quando ainda era uma colónia britânica. Sabemos também que o Canadá é um país rico em recursos naturais, possuindo as maiores reservas de petroleo a seguir à Arabia Saudita e bastante prenhe em gás natural, sendo um grande exportador para os Estados Unidos. Mas voltando a Steiner, para além destas dádivas naturais que vemos aqui neste sítio do Canadá? Estive a ver as moedas e notas de dolar canadiano, tudo que vi foram clones da raínha de Inglaterra e na outra face, que temos? Temos ursos, folhas de plátanos e patos; na volta que dei pela cidade que monumetos vi eu? Estátuas de ursos, alces e a mais "humana" que vi foi um memorial ao soldados da primeira grande guerra - bem, é de um pouco disto que se trata, que legado (para além da questão petroleira e de gás) constrói esta gente? Não têm poetas, pensadores, políticos, monumentos?

Bem, posso estar a ser um pouco injusto porque não conheço muito do Canadá e até gosto muito de Anne Carson, poetiza Canadiana. E além disso, esta é só uma cidade de um país extenso - uma região com uma beleza natural espectacular, por isso também lhe chamam de "Beautiful British Columbia".

Mais uma vez, assim como em Sydney, vejo muitos asiáticos, e também mais uma vez, aqui a mistura de raças é algo que deve ser difícil para um país de origem Anglo-Saxonica. Fui ver um parque chamado "Capilano Suspension Bridge" que fica num sítio onde um Escocês começou a exploração de madeiras. O parque é um lugar bastante agradável, uma floresta punjante riscada por um rio que podemos atravessar por uma ponte de madeira, escarpa a escarpa. Numa dessas casas onde se vende todo o "merchandising" normanalmente associado a estes lugares, peguei num livro que se chamava "Pequena história de Vancouver" onde o autor faz menção à passagem a um português no início do século XX por estes lados. Pelo seu relato o português, de nome José, desenvolveu um negócio de venda de álcool na região. É curioso encontrar o reconhecimento da facilidade e envolvência que os portugueses desenvolvem com outras culturas; são do autor estas palavras: "it's amazing how he conquered the heart of the king's daughter". Penso que aqui está patente essa capacidade que outros têm alguma dificuldade em entender.

Mas nem tudo é desvantagem por aqui, senão vejamos alguns dados economico-demográficos - o Canadá tem uma extensão imensa, onde residem trinta milhões de pessoas (isso mesmo, só três vezes a população portuguesa), e tem uma grande riqueza em recursos naturais, o que lhes permite ter um nível de vida acima da média (eu sei, devemos estar a perguntar o que é isso de nível de vida). Neste contexto é um país que precisa de pessoas para o continuar a construir e manter, mas veja-se o que aconteceu recentemente com os emigrantes portugueses a trabalhar aqui. Certo é que a maioria deles estava em situação ilegal, mas daí até terem unicamente cinco dias para sair do país indica o que significa tolerância para estes lados. E aqui tiro o chapéu a Freitas do Amaral que tomou uma posição e decidiu vir até cá manifestá-la. Penso que os portugueses aqui serão uma minoria, mas na realidade não é razão para se agir como aconteceu. Aqui cito Freud, "é facil de entender porque é que uma pessoa rica seja tratada com distinção num banco, mas cá fora...". A questão do trato humano parece ser algo que estes países mais jovens ainda têm que trabalhar.

Se calhar ainda deverá estar para surgir aquele espaço ideal, um país com a mistura e capacidade de relacionamento como Portugal (e o Brasil), com as capacidades de gestão dos ingleses e a eficiência americana. Essa é que era!

Bem, e agora vou dormir...